Testemunho de Pedro Ramos

Chamo-me Pedro Ramos, sou programador informático, e tenho 52 anos.

Passo a descrever o dia em que sofri um acidente vascular cerebral e, posteriormente, na sequência desse AVC, foi-me diagnosticado um cavernoma no tronco cerebral.

No dia 6 de Fevereiro de 2020, encontrava-me no trabalho em Lisboa, depois de ter regressado do almoço com alguns colegas. Estava tranquilamente sentado à secretária, quando subitamente comecei a sentir uma dor de cabeça e um mal-estar muito forte, com enjoos. Em menos de 10 minutos, deixei de sentir praticamente toda a parte esquerda do corpo: face, cabeça, ombro, braço, perna... Estava sentado e, pura e simplesmente, "escorreguei" pela cadeira abaixo...

Felizmente tive a sorte de estar acompanhado pelos meus 3 colegas de trabalho que,, com sangue frio e muita prontidão, chamaram de imediato o 112.

Quando o 112 chegou, tiraram-me a tensão arterial e tinha 25 (sistólica) / 20(diastólica).

Nem nunca pensei que fosse possível ter uma tensão arterial tão alta...

Tive a sorte de ser o Hospital de São José a estar a receber nesse dia as vítimas de AVC.

Fiquei internado nesse dia nesse hospital, na Unidade Cérebro Vascular, uma unidade especializada precisamente nestes casos de AVC, que é um serviço de excelência. Tive sorte nesse aspeto, pois esta é uma unidade de referência no que toca a AVCs ...

Fiquei internado 3 semanas nesse hospital, a primeira das quais, nos cuidados intensivos, precisamente nessa unidade especializada em AVCs.

A primeira semana foi uma luta para fazer descer os valores da tensão arterial. Sempre acima de 17,18.

Finalmente, depois de muitas perfusãos intravenosas, lá se conseguiu baixar esses valores.

Obviamente que fiz uma enorme quantidade de exames, análise e testes no período em que estive internado no Hospital São José.

Nas várias TACs que fiz, nesses primeiros dias de internamento, ficou de imediato bem patente a "zona" na qual tinha tido o derrame do AVC (no meu caso, tive um AVC hemorrágico ...), zona essa situada no tronco cerebral.

Foi, no entanto, nas ressonâncias magnéticas que fiz já na reta final do meu internamento, que fiquei a saber que o AVC que tive foi precisamente na zona, onde me foi "descoberto" um cavernoma (um "achado" na terminologia clínica...). 

Desde então, tenho sido mais ou menos seguido por um neurocirurgião do Hospital de São José e faço anualmente uma ressonância magnética ao crânio para monitorizar o estado desse mesmo cavernoma. Felizmente tudo se tem mantido estável, sem evolução...

Posso inclusivamente ter este cavernoma desde que nasci, mas é impossível saber...

Falou-se na hipótese de cirurgia para remoção do cavernoma, mas este encontra-se no tronco cerebral, uma zona complicada de operar. Os riscos de algo poder correr mal são grandes, podendo acidentalmente serem afetadas outras zonas/funções do corpo, tal como a parte motora, a visão, audição, etc ...

Perante este cenário, optou-se pela monitorização do cavernoma, sendo certo que se algo correr mal, a cirurgia, apesar de todos os riscos inerentes, será uma opção a tomar...

Decorrente do AVC, fiquei inicialmente com:

  • Surdez do ouvido esquerdo
  • Visão dupla (com "fantasmas") 
  • Perna e pé esquerdo dormente, sem sensibilidade
  • Braço esquerdo dormente, sem sensibilidade
  • Lado esquerdo da cabeça dormente, sem sensibilidade.

Desde o AVC que fico muito mais cansado ao fazer esforços físicos que para mim eram "normais", antes de tudo isto ter acontecido.

Fiquei "sem paciência" para coisas que antigamente não me afetavam de todo. Estive praticamente um ano a "reaprender" a andar, pois não sentia a perna esquerda e todo o meu equilíbrio era muito precário.

Ainda hoje não sinto totalmente todo o lado esquerdo do corpo, mas já me adaptei a esta realidade e já lido bem com a dormência permanente de braço e perna.

A dormência da perna tem vindo a diminuir felizmente...

A audição através do ouvido esquerdo recuperei quase totalmente.

A visão regularizou e já não vejo duplicado.

O meu AVC ocorreu mesmo no início da pandemia Covid-19. Ou seja, a pandemia foi, para mim, o menor dos problemas.

Estive, no entanto, muito tempo à espera de fisioterapia por causa da pandemia. Tudo o que não fosse Covid parou de funcionar e as vítimas de AVC foram postas em "banho-maria".

Relativamente ao meu cavernoma a situação tem estado estável felizmente.

Possivelmente vou deixar de fazer anualmente a ressonância magnética de controlo do cavernoma e vou passar a fazer de dois em dois anos.

Tenho sempre uma grande dificuldade em marcar consultas e exames no Hospital de São José, mas isso é característico já do nosso "óptimo" sistema nacional de saúde. 

A minha vida mudou desde que tive o AVC e descobri este cavernoma. Medicamentos vou ter de os tomar para o resto da vida, nomeadamente para a tensão arterial. No entanto, estou a conseguir fazê-la o mais normalmente possível, mas claro que com algumas condicionantes. Sempre fui uma pessoa saudável e aos 50 anos houve uma alteração na minha vida decorrente desta situação por que passei...

Disto tudo, reconheço, ainda mais, a efemeridade das coisas nesta vida. De um minuto para o outro, tudo se altera. 

Deixo, no entanto, uma palavra de força e esperança a todos, tendo perfeita consciência que existem situações muito, muito mais problemáticas do que a minha ...

 

Pedro Ramos